Ingresso de mulheres desafiou padrões e trouxe nova fase na Segurança Pública


Em abril de 1980, a Polícia Militar do Amazonas (PMAM) constituía a primeira turma de policiais femininas. Um marco inédito para corporação e grande conquista para um grupo de mulheres pioneiras, que ingressaram em uma jornada marcada por desafios e transformações dos parâmetros da sociedade manauara, daquela época. Quarenta e cinco anos após o início dessa história, este legado continua inspirando jovens mulheres que sonham em seguir a carreira militar.
O Amazonas foi o terceiro estado do Brasil a abrir vagas para mulheres nas fileiras da Polícia Militar, ficando atrás de São Paulo, que criou o primeiro corpo policial feminino em 1955; o segundo foi o Paraná, em 1977. Em uma época em que o público feminino era direcionado a setores de menor prestígio e remuneração, 32 mulheres aceitaram o desafio e decidiram trilhar uma carreira tradicionalmente dominada por homens.
Após o processo de seleção e convocação, o comandante-geral da PMAM, à época, coronel do Exército Brasileiro Wilson Raizer, designou o tenente Claumendes, hoje coronel da reserva, para assumir o comando da primeira turma de policiais femininas. Claumendes relembra que a missão era desafiadora, mas assegurou que elas receberam o mesmo treinamento e disciplina dos policiais homens.

FOTO: Arquivo PMAM/Patrícia Rabelo
“Eu agia com rigor para que elas fossem bem formadas. Se você perguntar para qualquer uma delas, elas vão falar que eu era ‘durão’. Mas eu preparei o espírito delas para mostrarem para o resto da tropa, que não eram inferiores”, relembrou orgulhoso o coronel da reserva.
Os primeiros passos: Disciplina e superação
Após nove meses de formação militar, as alunas foram graduadas como 3º sargento. Zeny Rebelo e Cleide Queiroz, capitães da reserva, relembram com orgulho o início da trajetória na PMAM e compartilham do mesmo espírito de superação e força que marcou a turma de 80.
“Para mim, tudo era novidade. Aprender a marchar, prestar continência, falar de forma direta… Foi uma escola totalmente diferente. Tive que me adaptar a uma rotina que exigia disciplina e responsabilidade em tudo”, recorda Zeny.
Cleide Queiroz relembra que após os primeiros anos de formação, as PMs, inicialmente, foram empregadas em ações sociais e de apoio ostensivo em aeroportos, rodoviária e escolas. “Acompanhávamos os casos de crianças perdidas ou em situação de vulnerabilidade. Fazíamos um trabalho social, enquanto o pessoal ainda amadurecia a ideia da mulher na segurança pública”, recorda Cleide.

FOTO: Arquivo PMAM/Patrícia Rabelo
Zeny relembra com emoção o primeiro grande serviço da turma: a segurança do Papa João Paulo II durante visita a Manaus. “Foi nossa primeira missão. Ainda acabamos sendo abençoadas pelo Papa, nunca esqueci esse dia”, conta saudosista.
Os desafios e conquistas na carreira militar
Sandra Regina, foi a primeira mulher do Estado a alcançar o posto de coronel fechado nos quadros da PMAM, após participar de um curso na Polícia Militar de São Paulo, que a habilitou ao oficialato. Ela relembra que o preconceito e a necessidade constante de provar o próprio valor ainda faziam parte da rotina das pioneiras. “Houve um tempo em que precisei provar o meu valor todos os dias. Mas eu percebia que, mesmo diante das dificuldades, havia orgulho em ver mulheres cumprindo com excelência suas funções”, destacou a policial.

FOTO: Arquivo PMAM/Patrícia Rabelo
Entre as mulheres que fizeram história na PMAM, está a tenente da reserva Nilcilene de Freitas. Ela conta que transformou a resistência da sociedade em um combustível para seguir adiante. E destaca um momento importante na carreira, que lhe rendeu a medalha de mérito policial.

FOTO: Arquivo PMAM/Patrícia Rabelo
“Eu lembro que consegui prender um traficante, no bairro Cidade de Deus, conhecido por ‘Bola’. Ganhei uma medalha de mérito policial. Foi uma ação que a gente trabalhava na rua, uma rua muito perigosa, onde haviam muitos traficantes”, enfatizou.
Presença feminina na atualidade
Atualmente a Polícia Militar do Amazonas conta com 1,3 mil mulheres policiais, que ocupam postos de destaque em chefias, diretorias e unidades da corporação. Para o comandante-geral, coronel PM Klinger Paiva, as pioneiras da turma de 1980 abriram portas para que as mulheres na corporação pudessem ocupar cada vez mais espaços que antes eram exclusivamente desempenhados por homens.
“Na minha turma de formação de oficiais éramos 20 alunos e apenas três eram mulheres. Hoje temos turmas em formação com um número mais expressivo de policiais militares femininas. Atualmente, as nossas policiais ocupam espaços de comando, de liderança, em funções estratégicas e essenciais para a evolução da nossa instituição. Tivemos, no início do meu comando, a primeira mulher como comandante do Comando de Policiamento Metropolitano (CPM), mostrando que mulheres podem liderar uma grande tropa”, disse o coronel Klinger.

FOTO: Arquivo PMAM/Patrícia Rabelo
A coronel Otacicleide, que comandou o CPM entre 2023 e 2024, ocupa hoje a função de diretora de Finanças da PMAM. Para ela, a turma de 1980 serve de exemplo para todas as policiais militares femininas, que não desistem diante dos desafios enfrentados em uma instituição predominantemente masculina.
“Eu tive a grata satisfação de conhecer e trabalhar com algumas das pioneiras e, até hoje, mantenho contato com as policiais da turma de 1980 que ainda moram em Manaus. Todas as vezes que eu pensava em desistir de algum desafio, eu olhava para elas e o exemplo dessas mulheres me inspirava e motivava. As conquistas que elas tiveram há 45 anos ainda refletem positivamente para as policiais militares da ativa”, destacou a coronel Otacicleide.